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Shakespeare, A megera domada, resenha


vb. criado em 09/05/2014, 09h36m.

O que mais me impressionou nessa peça é a repetição de um padrão: um espectador assiste à representação de alguém que é espectador de outra representação. Farsas dentro de farsas.

Começamos nós, leitores/espectadores, assistindo aos atores que fingem ser Sly e a Hospedeira. Logo, assistimos a Sly assistindo à farsa representada pelo Lorde e seus criados. Daí a pouco veremos todos esses se reunirem para assistir a outra representação, onde atores fazem o papel dos pretendentes, e esses pretendentes por sua vez representam o papel de professores perante os outros personagens. Um ator finge ser o Professor, que finge ser Vincêncio. Outro ator que finge ser o criado, que por sua vez finge ser o amo.

Por fim a farsa mais interessante e também a mais sutil, talvez seja a das desposadas. Catarina solteira fingia ser megera, ou depois das núpcias é que se finge de domada? E Bianca fingia doçura até de casar, e depois mostrou seu real caráter, ou sua rebeldia no final é que é fingida?

Há uma rede de farsas cruzadas, empilhadas, sobrepostas. Pelo pouco que li/vi de Shakespeare, esse parece ser um tema recorrente dele. Em Hamlet temos o protagonista que, perante a Corte, representa o papel de louco. E Hamlet, para testar o tio, faz montar uma peça dentro da peça. Em “Muito barulho por nada” vemos, em várias passagens, grupos de personagens que fingem identidades, ou situações, para enganar outros personagens. O conflito romântico principal, aliás, deriva para esse tema.

No fim, nas três obras, o fingimento é um caminho para a verdade: para a descoberta de um crime, no caso de Hamlet, e também no de Hero e Cláudio; para o triunfo do amor verdadeiro, no caso de Lucêncio e Bianca.

Voltando à “Megera”, também encanta o humor sarcástico, a maneira como o autor constrói imagens verbais simples e únicas, como a descrição que Sly faz da própria pobreza: “não tenho mais roupas do que corpo, mais meias do que pernas nem mais sapatos do que pés”. Ou a descrição de um quadro que retrata a sedução de uma donzela, e foi “pintado com a mesma paixão que o fato foi feito”. As tiradas de Petrúquio e Catarina são as mais ferinas: “meu pai é morto mas seu dinheiro é vivo”; “escravo falso, que pensa alimentar-me só com os nomes das comidas”.

Por fim, o convite de Sly à sua (falsa) esposa resume uma espécie de sabedoria jocosa e displicente que preside as confusões de Petrúquio e companhia: “senta aqui a meu lado e deixa o mundo girar: jamais seremos tão jovens”.

Shakespeare
ENCYCLOPAEDIA V. 51-0 (11/04/2016, 10h24m.), com 2567 verbetes e 2173 imagens.
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